Há cerca de dois anos, a falência da Monarch constituiu a maior operação aérea do Reino Unido pós Segunda Guerra Mundial, permitindo o repatriamento de 200 000 turistas.

O país enfrenta agora, a par das complicações do Brexit, as consequências de um colapso de maior dimensão, estimando-se que cerca de 600 000 clientes por esse mundo fora careçam de repatriamento, em razão da falência da Thomas Cook, um gigante com 178 anos.

Quando cerca das 8 horas de hoje, vi a situação de Portugal, já estava programado para amanhã, 24 de setembro, o primeiro voo de repatriamento, evidenciando-se, assim,  uma extraordinária capacidade de planeamento.

O Reino Unido dispõe de um sistema dispendioso, mas fortemente garantístico dos viajantes, diria mesmo uma referência ao nível mundial, que atempada e gratuitamente opera o seu repatriamento. Inclusivamente em situações de voo seco como sucedeu no caso da Monarch.

Contrastando com outros Estados-membros, designadamente a França, onde recentemente foi lançada uma petição destinada a proteger os consumidores das sucessivas falências de companhias aéreas (falência da Aigle Azur), que ficam indefesos quando adquirem o seu bilhete diretamente à companhia aérea ou por intermédio de uma agência de viagens, tendo de adquirir outro título de transporte, por vezes com custos especulativos. Algo que a União Europeia tarda em resolver, ao não enfrentar com sucesso a poderosa IATA.

Com efeito, só quando os viajantes adquirem outro serviço conjuntamente com o transporte aéreo, por exemplo o hotel ou rent-a-car, é que beneficiam da proteção da Diretiva 2015/2302, sobre viagens organizadas, em situações de insolvência.

Pelo que se pode antever, não haverá grandes problemas nas agências de viagens portuguesas, sendo o problema restrito à hotelaria do Algarve e da Madeira, que terá de reclamar no processo de falência, como qualquer outro credor, os elevados montantes em dívida dos últimos meses, um rude golpe, pois é um período de intensa faturação.

O que em Portugal, só ocorre se a compra for através de uma agência de viagens, não existindo nenhum mecanismo de protecção dos viajantes  quando a combinação de serviços for adquirida ao transportador aéreo (fly drive ou voo e hotel).

Violando-se, assim, a legislação europeia, pois o viajante continua desprotegido quando deveria beneficiar de protecção em caso insolvência da companhia aérea.

Sucede que o sistema do Reino Unido, o qual inspirou o da Diretiva das Viagens Organizadas, protege apenas os viajantes, não os fornecedores do operador turístico, designadamente os hotéis que tenham fornecido o alojamento integrado no package.

Relativamente aos viajantes também se encontra excluído o dano moral de férias estragadas, cobrindo-se tão somente o reembolso do preço da viagem organizada quando a não realizem ou, já estando a viajar, o repatriamento e os custos do alojamento anterior ao repatriamento.

No que concerne a este último, pode eventualmente o prestador de serviços de alojamento obter alguma proteção, por via indireta.

Com efeito a Diretiva 2015/2302, na sequência da decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia no caso Varein für Konsumenteninformation, consagrou expressamente a solução no artigo 17º/4, ou seja, sem tomar posição sobre a licitude ou ilicitude da ação do hoteleiro, consagra a  necessidade de a garantia abranger as quantias necessárias para o viajante poder realizar o check-out do hotel.

A imprensa dá-nos notícia de um caso extremo na Tunísia, certamente um crime de restrição à liberdade individual, mercê do encerramento dos portões da unidade hoteleira, impedindo a saída dos turistas.

Por outro lado, as verbas exigidas são aparentemente superiores à estada daqueles viajantes.

No entanto, nos limites do razoável, o legislador europeu tolera esta situação de o consumidor pagar ao hotel, pois vai ser ressarcido desse valor.

Temos, assim, numa primeira abordagem, um problema localizado na hotelaria do Algarve e da Madeira, a qual não dispõe de qualquer garantia legal de proteção na insolvência da Thomas Cook, excepto por via indireta nos casos de alojamento anterior ao repatriamento, desde que os montantes sejam suportados pelo viajante antes do check-out ou que o organismo do Reino Unido assuma tal responsabilidade de harmonia com o artigo 17º/4, da Diretiva 2015/2302.

As autoridades dos Estados-Membros devem elas próprias, para além de programar os voos de regresso, ter em conta em realidade, embora sejam evasivas certamente para não fazer disparar os custos da operação.

Pelo que se pode antever, não haverá grandes problemas nas agências de viagens portuguesas, sendo o problema restrito à hotelaria do Algarve e da Madeira, que terá de reclamar no processo de falência, como qualquer outro credor, os elevados montantes em dívida dos últimos meses, um rude golpe, pois é um período de intensa faturação.

Apenas surgirão problemas para as agências portuguesas se os operadores espanhóis que têm hotelaria, por seu turno colapsarem.

Ontem à tarde, falava-se no perdão da hotelaria espanhola de cerca 100 milhões para viabilizar a continuação da Thomas Cook, mas devemos estar perante números mais substanciais.

Se algum operador espanhol vier a colapsar, respondem perante os consumidores as agências portuguesas, em razão da solidariedade instituída, sem necessidade, pelo legislador português, até falirem.

Falindo os retalhistas, responde o fundo de garantia, tardia e de forma burocrática, sem respeitar o principio da efectividade consagrado na legislação europeia.

Temos, assim, numa primeira abordagem, um problema localizado na hotelaria do Algarve e da Madeira, a qual não dispõe de qualquer garantia legal de proteção na insolvência da Thomas Cook, excepto por via indireta nos casos de alojamento anterior ao repatriamento, desde que os montantes sejam suportados pelo viajante antes do check-out ou que o organismo do Reino Unido assuma tal responsabilidade de harmonia com o artigo 17º/4, da Diretiva 2015/2302.

Carlos Torres | Advogado, Professor da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE).